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A potência do bordado

como dispositivo clínico, educativo e artístico

8 de março de 2025

Texto de Nina Veiga*

Como artífice, sempre fui mais da lã do que da linha.

O bordado está na minha vida como estilo, na vestimenta* ou como conceito, nas intervenções acadêmicas, artísticas ou de ativismo delicado.

Mas minha produção sempre esteve mais ligada à tecelagem.

Estou começando a revisitar os congressos Artes-Manuais na Academia para preparar a quarta edição e me deparei com uma abundância de pesquisas e ações que tem o bordado como tema, muito mais do que as demais artes do fio.

Talvez essa supremacia da pesquisa sobre o bordado em relação a outras técnicas, tenha a ver com a expressividade, com a possibilidade narrativa que o bordado oferece.

Nas fotos, as belas saias da querida Andrea Lima e um vestido de bordado mineiro, da tradicional feira de artesanato de Belo Horizonte.

Na Tese, compus um bloco de sensação que intitulei "bordado". Nele, apresento exercícios que fiz entre filosofia e bordado e experimentos de escrita junto à alteridade.

A epígrafe, retirada de Rubem Alves, diz muito dos acontecimentos do bloco: "No princípio foram os bordados, o verbo veio depois".

O bordado é mesmo um dispositivo muito adequado para disparar afetos e produzir conhecimento filosófico com o corpo todo.

A intersecção bordado-filosofia-terapia é muito produtiva.

Nessa capa de caderno de artífice que bordei, onde investiguei a questão do tempo, através do cone bersoniano, o objetivo foi também terapêutico.

O bordado pode ser usado na clínica como dispositivo de ampliação de visibilidades, numa escuta visual.

Esse modo de composição de linhas filosóficas, estéticas e subjetivas é típica da esquizoanálise e combina demais com as pesquisas que fazemos em nossa pós-graduação Artes-Manuais para Terapias.

Esse bordado é um painel trimembrado, com um metro quadrado.

Nas fotos, vemos a parte mais exterior que chamei de "Monstruosidade de forças", inspirada em Nietzsche. Eu a usei como capa do livro "Minha Ariadne".

A obra, nos seus três momentos distintos, debate a relação entre forças e formas e suas múltiplas composições.

É um bom exemplo do que em nossas pesquisas chamamos de filosofar com a agulha. Operação que dá visibilidade e plasticidade aos conceitos.

Esse meu bordado trimembrado tem um centro que é uma mandala em espiral. A parte mais externa, como já falei, é uma elaboração material do que Nietzsche conceituou como "mostruosidade de forças".

Na parte central, vemos as formas. Aquilo que é visível no mundo, sua aparência e materialidade. Essas formas são compostas de forças em diferentes estágios de associações provisórias.

As forças fazem as formas estarem sempre em movimento, mesmo que, em muitos casos, não percebamos.

Compreender que formas, aparentemente fixas, são movimento de forças, nos ajudam a perceber a dinâmica da existência.

O motivo que criei para o centro dessa obra, também me inspirou em atividades docentes. Nas fotos, vemos uma atividade que ministrei na Pós-Graduação Artes-Manuais para Educação, onde a espiral representava a casa e seu fora. As alunas debateram, desenharam, bordaram e costuraram almofadas filosóficas.

Além disso tudo, o centro do bordado também é capa do meu livro: "Uma escrita e a restante vida".

Quase esqueci, o tema também é capa do meu caderno de artífice de 2020.

O campo intermediário, desse bordado trimembrado, apresenta a composição entre forças e formas.

É nesse campo que habita a elocução que vivo a repetir, como a um bordão: "por uma estética da vida viva".

A transformação das forças em formas que quis expressar por meio dessa região que circula toda a mandala central do bordado é a chave de entendimento para as pesquisas que realizamos.

Tornar o "corpo vibrátil", como diz Suely Rolnik, ou "desenvolver um membro sensório", como conceitua Rudolf Steiner, é o que queremos disparar, com os nossos dispositivos acadêmicos, oficinas e ações de ativismo delicado.

Essa percepção ampliada pode ser um modo de ultrapassar o pensamento apequenador que, infelizmente, vigora em nossa época.

Essa região do bordado será a capa do meu próximo livro: "Por uma estética da vida viva". Quero fazê-lo com ilustrações e lançá-lo também em formato digital.

A potência do filosofar-bordar que esse painel bordado possibilitou me faz entender o motivo de ser o bordado um dos dispositivos mais estudados e pesquisados entre as artes-manuais.

continua...

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é artemanualista, ativista delicada, doutora em educação, escritora e conferencista. Sua pesquisa habita o território da casa, suas artes e terapêuticas, na perspectiva da antroposofia da imanência, junto ao cuidado de si e do outro.