A velha

Aquela tarde não era diferente de tantas outras tardes em que precisou respirar.

Texto de Luciana Aguilar*

 

Caminhava numa tarde de outono que fazia um tempo agradável, poucas pessoas cruzavam seu caminho, o que a fazia se sentir segura. Ela saiu de casa e o ar quente envolveu seu corpo, uma mistura de suspiro do verão que se despede e alegria do outono com tardes quentes e avermelhadas que pintam o céu. Não queria encontrar com pessoas. Saiu de casa, porque lá não conseguia mais ficar, estava exausta, queria respirar, morar naquele cubículo sufocava.

Aquela tarde não era diferente de tantas outras tardes em que precisou respirar.

Caminhou lentamente, como quem adia a volta. Não levava cachorro para o passeio, não tinha um companheiro desses, não levava criança no carrinho, já que não era mãe, ou já fora, não se lembrava mais o que era ser mãe. Amigos, todos por caminhos distantes.

Foi no parque que a encontrou pela primeira vez, era uma mulher rude, com olhos grandes e passos pesados. Sentiu medo, desses medos inexplicáveis que sentimos quando um pensamento intruso passa pela cabeça.

Era Regina, ela girava em sua saia de chita, dançava uma música que não se ouvia, e girava e rodava sua saia. Se ouvia apenas o som do vento. As árvores se agitavam em festa, folhas se soltavam de seus galhos e pareciam brindar aquela velha. Ria e gargalhava com sua risada de trovão. Ela se assustou, mas continuou ali parada a olhar a dança.

Regina, com um gesto, a convidou a girar. Seus olhos encantados com a visão da mulher, velha e baixa, aceitou o rodopio. Seu corpo rodava junto ao dela. Alegria.

A risada invadia os ouvidos e contavam histórias tão antigas que nem se sabe, histórias de ninar e de acordar.

Foi Regina, quem a acordou, com seu sussurro e sua gargalhada, mostrou a saída. Com seu sopro a encheu de coragem e a fez voar até o mar. Lembra que rodopiaram tanto e tanto que quando acordou do sonho fora como se tivesse nascido de uma morte tão comum.

Escute o texto na voz da autora

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*Luciana Aguilar é especialista em Artes-Manuais para Educação e gestora acadêmica. Artemanualista. Docente da pós-graduação Artes-Manuais para Terapias. Pedagoga, atua como professora particular e orientação de trabalhos escolares e de textos acadêmicos. Mãe, estudante do curso de Letras. Escritora. Escreve sobre temas do cotidiano, as coisas ditas pequenas da casa, os fazeres manuais com fios, maternidade e mulheres. Pesquisadora da leitura e dos processos de escrita.