Texto de Ana Maria Charbil Tonetti*
Da terra
Escolhi a terra junto ao caule de nossa araucaria angustifólia.
Ela chegou com pouco mais de 15 cm, junto conosco, nesta casa.
30 anos depois é nossa gigante.
Talvez porque conhecemos a aspereza da terra,
as pontas dos dedos tomaram a dianteira,
naturalmente, prospectando pequenas madeiras, vidros ou mineral
pontiagudo.
Depois e só depois de ter certeza de que não seria ferida, a mão como um
todo experimentou.
Não tinha me dado conta desse inteligente manejo automático.
Desconhecemos o nosso corpo e a nós
mesmos mesmo depois de mais de meio século de existência.
Com a água virou brincadeira...
mesmo sem se moldar ela deixou sua impressão no tecido, cor, cheiro.
Quantas histórias pregressas, nascimentos, dores, alegrias e pegadas essa
terra presenciou...
o crescimento desse gigante, o canto dos passados, cachorros indo e vindo,
sol, chuva, geada.
E agora esse registro
estava nas minhas mãos e impresso no tecido que vai continuar a história.
A terra é como um útero que gera, nutre, acolhe, mas também firma as
raízes para que seus filhos ganhem asas,
confiança e alcancem o mundo.
E a Terra, não seria o útero do Universo?
Criando seu filhos para o Cosmos?
Da argila
Lembrança da infância...dando formas à imaginação... não se preocupava
se era assim ou assado, se as cores correspondiam aos objetos modelados,
tudo era válido, solto, divertido...
não se quer mais ? não faz mal, desmancha e faz de novo...
tudo está bom ...sem regras
mãos escorregam, massageiam, esparramam... a argila também é uma terra,
porém a versão
mais sofisticada... suas minúsculas partículas processadas e características
próprias dão status
de matéria para cura, ao embelezamento...
Mesmo sem saber de onde ela veio, pode-se seguir o mesmo caminho
lógico da terra do quintal.
Guarda memórias, mãos e pés passaram por elas.. gente, bichos, carros,
intempéries vindas de todo
canto....uma grande rede interconectada com características diversas que
criam uma unidade semelhante ligada as outras unidades desiguais a si que
contam as mesmas histórias com cenários diferentes.
Da Lã
A primeira impressão: fofura, doçura, aconchego, quente, abraço
Gostosura ao afundar a mão no macio... ah!!!!
A lã é fácil de desgrenhar, basta puxar, abrir
mas... tem um sentido que opõe resistência, é preciso então desfiar e vai
ganhando volume, fluidez, num movimento de ir e vir .
nos emaranhados é preciso paciência, não desistir, ela também quer
participar... devagar vai ficando livre ... em alguns pontos tão feltrada que
não obedece, mas é possível aproveitar de outra maneira, com outra
utilidade e forma
nada fica perdido.
A vida de todos os seres se alegram de estar conosco, mesmo sem se estar
conscientes deles, de ouvi-los...mas sente-se
Apesar de limpa tem seu odor característico e me remete à ovelha que a
cedeu para meu experimento...
Estaria ela ciente de onde uma parte de si está? O que daí sairá?
Em que vai se transformar?
Em que terra pisou, do que se alimentou, com quem conviveu, seus
momentos...todos os processos da tosquia à meada. por quantas mãos
passaram para que chegasse até as minhas...
Creio que se as crianças, desde a mais tenra idade, aprendessem sobre a
Cadeia Produtiva o mundo seria outro...
Chega ser exaustivo voltar atrás e ver de onde as coisas vieram...campo,
cidade, loja, casa e outra loja. outra casa ...
Se valoriza mais sabendo que outras coisas, pessoas, sóis e ventos agora
estão aqui e daqui, de nós, para outras pessoas, sóis e ventos
Um grande Tecer da Criação!
E nossa responsabilidade para onde uma parte de nós está indo, o quê está
transmitindo, ajudando ou não!!!!
Todas essas matérias brutas são como nós.
Vivenciamos de tudo, a diferença é que elas, reconhecidas ou não,
valorizadas ou nem tanto, seguem.
Nós que temos raízes ambulantes podemos interagir conscientemente,
mudar o rumo, superar usando a criatividade.
O que nos impede? Onde a dificuldade?
Reconhecer e acreditar no potencial? Dar novo sentido?
Será que a terra também sonha?
Bem, vou aterrissando, já pensando na próxima viagem.
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Da esquerda para a direita:
1 - terra e argila;
2 - tecido com tingimento da terra e argila com futuro bordado da araucária;
3 - da lã.
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Ana Maria Charbil Tonetti
Farmacêutica Homeopata
Mãe de 4 filhos já criados
Desde a pandemia aprendiz é apaixonada por artes manuais diversos.
É aluna-pesquisadora da Pós-Graduação Artes-Manuais para Terapias e a atividade apresentada faz parte do Módulo Quarto.