Texto de Nina Veiga*
A inteligência vem depois...
(Adaptado de DELEUZE, 1976/2003, p. 21)
Vou falar, mas ainda não sei bem dizer disso, tá? Uma coisa que eu estou tentando elaborar para dar língua à questão metodológica no projeto de qualificação é a forma como atuo na escrita. Dizer disso para descrever uma espécie de metodologia de escrita. Por enquanto estou apelidando esse procedimento de Fui ao armarinho. Então é assim: fui ao armarinho, quase todo mundo sabe o que é um armarinho, mas explico: é aquela loja que vende artigos para artes-manuais: botões, linhas, fitas, lãs, essas coisas. Bem, quem vai ao armarinho, muitas vezes, nem sabe o que vai fazer ainda. Tem aquela potência do fazer movendo, parece uma coceira que dá na mão, no corpo todo. É uma vontade forte, sabe? Se quer fazer algo. O primeiro momento é o fazer: se tem de fazer algo: bordar, costurar, tricô, crochê, não importa, qualquer trabalho-manual. Aí, se vai ao armarinho e sai de lá com um mundo de coisas que nem se sabe se vai combinar uma coisa com a outra. Faço assim: eu pego aquilo e espalho. Espalho tudo. Preciso de muito espaço. Espalho normalmente no tapete da sala, em cima da cama. Espalho aquilo. E a partir daquilo que está bem espalhado, aí eu vou construindo o objeto. O movimento de construção vem antes da ideia. A ideia vem depois, do contato com os elementos: tecidos, fios, lãs, essas coisas. Vou movimentando, olhando aquilo, separando, juntando. Aí, desse contato, a ideia vem. Foi assim desde o projeto de pesquisa, eu fui ao armarinho. Não tinha a menor ideia de como escrever o projeto. Aí, peguei tudo que eu tinha lido, livros, apostilas, teses. Peguei tudo que me afetava e espalhei. Fiquei mexendo naquilo, vivendo com aquilo uns dias. Dormindo no meio daquilo, sabe? Tudo espalhado em cima da cama. Aí, depois eu fui pegando e escrevendo, copiando, lia uma coisa, aquilo me dizia, eu escrevia, e isso foi compondo. Eu não tinha percebido essa metodologia, só vi agora que estou às voltas com o projeto de qualificação, olhando para todo esse processo de doutoramento. Pensando bem, é sempre assim mesmo comigo, primeiro eu mexo, depois eu penso. Um perigo. Para escrever a qualificação, também estou fazendo isso. Primeiro eu imprimi tudo o que eu escrevi, desde que resolvi fazer o processo seletivo, duzentas e tantas páginas, sessenta e um textos. Depois, eu comecei a mexer naquilo, andava com aquela pilha de textos para cima e para baixo, fazia levantamentos, assinalava palavras recorrentes, juntava de um jeito, de outro. Fui mexendo, mantendo contato, ficando presente. Acho que se eu precisar mudar o nome da metodologia, para um nome mais acadêmico, vai ser algo como “metodologia do contato-improvisação”, sabe aquele método de dança? Ou então: “metodologia da presença”. Afinal, é só o que eu posso garantir: ficar na presença daquilo, o resto é um risco, se vier, vem depois...
Texto do novo livro de Nina Veiga: UMA ESCRITA E A RESTANTE VIDA
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