Se a imposição é o acabamento perfeito e silencioso

meu corpo borda e crocheta o erro

Texto de Ana Magnani*

 

Se a imposição é o acabamento perfeito e silencioso, meu corpo borda e crocheta o erro, o acolhe, o visibiliza, tornando espaço para o grito contido, negado a tantas gerações.

 

Busco sempre uma escrita que se inscreva no tempo e no espaço. Que possibilite olhar para além da linearidade; que tenha curvas e nuances. Que diga de uma corporeidade. Um corpo-textil.

Um corpo que foi exposto às artes têxteis, desde muito cedo, como forma de feminilidade, como um espaço imposto, sensível, corpo-invisível, não nomeado.

Escrever sobre a domesticação deste corpo através das artes têxteis me incomoda, mas não me acomodo.

Procuro rotas de saída nas costas do bordado, nas margens das tapeçarias, espaços de rebelião, de resistência e de grito.

Se a imposição é o acabamento perfeito e silencioso, meu corpo borda e crocheta o erro, o acolhe, o visibiliza, tornando espaço para o grito contido, negado a tantas gerações.

Mudo a linha fina e graciosa para a linha grossa e espaçosa, que em suas camadas acolhe os meus diferentes eus. Convoco a agulha, tal como caneta para tecer minha escrita manifesto. Infesto a página de pensamentos, de regurgitos mantidos à força em mim: mãos de fada, prestimosa, delicada. Nunca a artista, nunca a acadêmica, nunca a capaz.

Grito bordando e rasgando o tecido que me oprime a ocupar o centro. Quero a margem. Quero um espaço impensado. Quero o não possível.

Assim me lanço a tecer linhas sem rumo. Fios soltos. Pontas desamarradas. Coloridos. Finos. Grossos. Pontos soltos.

Escrevo bordando besteiras só por fazer, não quero explicar mais.

Não preciso me explicar mais.

 

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*Ana Magnani é doutoranda em Educação na FCLAR - Faculdade de Ciências e Letras da Unesp Araraquara. Em seu Ateliê desenvolve pesquisas sobre a temática da infância, da diversidade pesquisas sobre a temática das infâncias, diversidades com enfoque nas relações étnico-raciais e de gênero.