Sendo presença no vazio

Fortalecendo as bordas para que eu possa abrir meus vazios.

Texto de Ana Magnani*.

 

Bordei o vazio, inúmeras vezes, para buscar perceber o que ele significava. Um exercício meu, uma busca minha, mas que, talvez, te interesse saber o que me passou durante esse percurso.

Escuto as pessoas me dizerem acerca do vazio que habitam, seja na vida, no sonho, no ser ou no fazer. Vazio como forma de invisibilidade, de falta, de carência, de insignificância. E isso me incomodava por perceber existir no vazio um certo grau de possibilidade para outros devires.

O vazio que me habita não poderia ser, simplesmente, um espaço desocupado. Mas, uma pergunta ainda me inquietava: que outra coisa ele poderia ser?

Com isso em mente começo meu percurso sobre o tecido, com as linhas e agulha como extensão de meu corpo, buscando por suas lacunas; pelas brechas existentes entre os espaços preenchidos da trama do tecido. Experimentando, tateando lentamente, cheirando hálito e lambendo o corpo-textil, ouvindo a reverberação do coração, concebendo como aquela que ainda não sabe, mas se arrisca a caminhar.

Lentamente debruo, fantasio pontos de apoio, lavro linhas protetoras, guarneço clareiras em meio ao nada e, pouco a pouco, o vazio se aproxima como uma canção familiar, um eco de uma música a muito aprendida e que andava esquecida.

Sinto familiaridade, me arrisco pelas bordas, olho profundamente através de sua boca entreaberta e reparo que não tenho motivos para a cisma; preciso acolhê-lo como parte de quem estou sendo nesse momento. Vazio como possibilidade de habitar e ser habitada por outras coisas.

Se me encontro preenchida totalmente onde me preencherá o novo?

O vazio torna-se o meu possível espaço para o vir a ser, mas que, ainda, encontra-se encoberto. Escondido pelos meus medos ou pelas preocupações que me foram ensinadas.

Olho para o vazio e noto como ele abre possibilidade para que o meu corpo se torne passagem e não mais destino. Passagem para um tempo e espaço ampliados, no qual é possível deixar de habitar o presente, para nos tornar presença. Nas palavras de Denise Sant’Anna (2001),

“Um corpo tornado passagem é, ele mesmo, tempo e espaço dilatados. O presente é substituído pela presença. A duração e o instante coexistem [...] dissolução da distância entre consciência e inconsciência. [...]. Nos corpos passagens é a alma que amadurece em corpo enquanto este abandona sua suposta condição de suporte de inscrição de vontade” (p. 105-106).

O vazio em um corpo tornado passagem deixa-se afetar pelo outro, se redescobre com o outro, se expõe para aprender com o outro. O vazio torna-se assim, o novo caminho, um espaço poético e criador de novos mundos possíveis para habitar.

 

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*Ana Magnani é doutoranda em Educação na FCLAR - Faculdade de Ciências e Letras da Unesp Araraquara. Bolsista Capes. Professora substituta na Pedagogia da UNESP-FCLAr. Em seu Ateliê desenvolve pesquisas sobre a temática da infância, da diversidade pesquisas sobre a temática das infâncias, diversidades com enfoque nas relações étnico-raciais e de gênero. É, em especial, sonhadora de outros mundos possíveis para a educação.

Referência

SANT'ANNA, Denise Bernuzzi de. Corpos de passagem: Ensaios sobre a subjetividade contemporânea. São Paulo: Estação Liberdade, 2021.